The conversation that never took place

BPI_4918A Preguiça foi ver a instalação artística de Herwig Turk que se exibe no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra The conversation that never took place, uma produção da Associação Viver a Ciência (VAC) com o apoio da Ciência Viva e da Agência para a Cultura Científica e Tecnológica. Este trabalho, que resultou de uma residência artística de Herwig Turk no Instituto de Medicina Molecular, foi dado a conhecer ao público no Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva (Parque das Nações) no final do ano passado, chegando a Coimbra no primeiro de Fevereiro para aqui ficar até 30 de Março.

O artista Herwig Turk, de origem austríaca mas a viver parte do seu tempo em Lisboa, tem vindo a trabalhar no vasto e inquietante campo das novas tecnologias ligadas ao objecto artístico desenvolvendo um conjunto de trabalhos que têm vindo a apresentar-se na Áustria e na Alemanha. Herwig Turk foi membro fundador da HILUS intermedia Project research (Viena 1992 – 1997) e do inclination group vergessen© (1996 – 1999). A partir de 2004 vemos Herwig Turk em projectos transdisciplinares que interligam a arte e a ciência, assunto que tem vindo a fascinar um número vastíssimo de artistas, de cientistas e de filósofos. O amplo projecto Blindspot, que juntou Herwig Turk a Paulo Pereira (IBILI), mas também Gunter Stoger (editor de vídeo) Beatriz Cantinho (performance) e Patrícia Almeida (fotografia) é exemplo disto mesmo, na medida em que se consubstancia como um projecto de investigação interdisciplinar sobre a percepção utilizando-se, para isso, dos procedimentos e instrumentos científicos apartados do seu contexto laboratorial, gerando-se uma linguagem absolutamente nova mas entendível, e que pesquisa sobre o real alcance da ciência no que à percepção visual diz respeito. Com este projecto, Herwig Turk questiona, através de uma linguagem estética, os limites da percepção do que é a arte e do que é a ciência, concebendo um terceiro espaço entre ambas as criações humanas: a artística e a científica.

The conversation that never took place é o resultado de um agrupamento de falas de quatro cientistas nacionais (da esquerda para a direita estão Luís Graça, Bruno Silva Santos, Leonor Saúde e Henrique Veiga-Fernandes) dedicados à biomedicina. A edição dos vídeos permitiu que cada um dos personagens nos diga sobre determinados assuntos numa conversa a quatro que nunca aconteceu, pois cada um deles foi entrevistado isoladamente. Quem concede o rumo à conversação é o autor da instalação que isolou as falas, construindo um diálogo que se oferece à nossa reflexão como uma verdadeira conversa entre pares, mas sobre assuntos da ciência da vida que não nos são estranhos.

Na realidade, assistir a esta conversa encenada por Herwig Turk é o mesmo que trazer à tona do consciente um conjunto de problemas que são especificamente nossos, na medida em que participamos desta imensa estrada da vida como elementos naturais que esperam entender os mistérios da natureza e que esperam reconhecer-se nela, para além do reconhecimento de si. O homem, esta entidade imprevisível e fascinante que provém das mais pequenas partículas que em equilíbrio estabelecem elos únicos e tão prevalecentes, ou esta entidade emocional que, por saber-se perecível e finita, procura compreender, através de todas as fontes ao seu alcance (quase todas resultantes, afinal, da sua própria construção) por que motivos existe, vive e por que morre. É desta certeza da finitude, é desta insegurança e incerteza que nascem a arte e a ciência, no seu primeiro formato de pan-ciência, ou filosofia.

A arte, tanto quanto a ciência, agita-se com o homem (e com todas as estruturas que ao homem dizem respeito, porque dele emanam ou porque com ele emparceiram) e com a realidade natural. O objecto de trabalho de artistas e cientistas é, por isso, o mesmo. Já os processos de inquirição são bastante diferentes, tanto como os olhares que artistas e cientistas lançam sobre o seu objecto, tanto como os métodos e as linguagens usadas na expressão dos problemas que se lhes deparam. Ainda assim, os procedimentos de pesquisa dos artistas e dos cientistas são bastante similares, pois que passam pela recolha de dados, pela articulação dos dados, pela observação, pela examinação, pela experimentação, pela escolha de caminhos, pela comparação de resultados, etc. Mas se à arte não são pedidas soluções lógicas, ou se à arte não se requer a explicação para um determinado mistério, ao cientista é-lhe solicitada essa explicação, bem como soluções para resolver os problemas de forma lógica.

Neste sentido, se a ciência se reconhece como um corpo de conhecimentos de base racional estabelecido através de um conjunto de métodos e de regras que permitam aceder-lhe, a arte reconhece-se como um conjunto de procedimentos que actua no sentido de permitir o diálogo entre os sujeitos (o que concebe a obra e o que a recebe), e como um sistema de valores articulado que promove o encontro entre sujeitos. E desse encontro surgem, entre outras, reacções estéticas moldadas pelo agente que, imbuído de um espírito sagaz, expele mundos através de um agrupado semântico e sintático intencionalmente estético. Ambas as construções desbravam o mundo, interrogam, duvidam e almejam a verdade, embora a arte se estabeleça como uma expressão estética e a ciência uma expressão lógica.

A arte e a ciência constituem-se, assim, como formas privilegiadas de resolução de algumas dificuldades humanas (o medo da morte, a explicação do mundo, a resolução do mundo, a manifestação do eu no mundo, o lugar que cada partícula ocupa no mundo, a organização do real, a verdade e a vida, etc.). Por este motivo, arte e ciência caminham a par, como duas filhas antigas de um mesmo pai humano que as gerou com inesgotáveis finalidades ligadas, sempre, com o conhecimento.

É neste leito de intencionalidades que mergulha a instalação The conversation that never took place, oferecendo-se à discussão de assuntos tais como o das leis naturais, o equilíbrio da natureza, a ciência e outros sistemas de conhecimento, a relevância da matéria, a longevidade e a imortalidade, a importância da memória, a autoridade da experiência e a doença e o envelhecimento. Os encadeamentos frásicos que Herwig Turk estabeleceu permitem-nos entender os conteúdos da conversa fictícia de forma muito clara, fingindo-se realidade, como acontece com todas as obras de arte que são, como nos ensinou Adorno, realidades irreais. E nesta irrealidade de obra ouvimos pensamentos reais sobre a própria realidade e sobre o que faz de nós seres humanos, entidades reais que constroem pensamento. Este trabalho de Herwig Turk cria uma forte empatia com os públicos, porque nela se reconhecem, porque com ela irmanam, porque ela cumpre esse objectivo de gerar diálogos e reflexões (a arte) e de veicular pequenos corpos de conhecimento sustentados em bases racionais (a ciência).

Saímos do Museu da Ciência melhores do que quando entrámos (e não é esse o objectivo da arte e da ciência?) porque nos recordámos que fazemos todos parte de um sistema espesso, íntegro e organizado, embora nem sempre tão inteligível quanto gostaríamos que ele fosse, mas ainda bem que assim é, porque se soubermos tudo quanto há perdemos o interesse pela vida. E esta conclusão é tão verdadeira quanto uma outra, que lá ouvimos, e que nos diz que esquecemos coisas para nos mantermos vivos, ou sermos de novo… Por enquanto, ainda não me esqueci do que Herwig Turk me permitiu recordar, e ainda bem.

Texto de Carla Alexandra Gonçalves
Fotografia de Bruno Pires

(Publicado a 20 de Fevereiro de 2014)

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